II Guerra Mundial Correspondência de prisioneiros Alemães e Italianos detidos em Goa  Eduardo Barreiros e Luís Barreiros Introdução O estudo de um conjunto de cartas, destinadas à Comissão Internacional da Cruz Vermelha em Genève, na Suíça e remetidas da Fortaleza de Aguada em Nova-Goa, Índia Portuguesa, permitiu identificar um grupo de tripulantes alemães e italianos de quatro navios mercantes, feitos prisioneiros em 9 de Março de 1943. Este trabalho vem mostrar novos factos sobre a história postal da Índia Portuguesa até agora não revelados. Cronologia dos acontecimentos Durante a II Guerra Mundial (1-9-1939 a 15-8-1945), Portugal manteve um estatuto de neutralidade face aos países em conflito. Esta neutralidade foi no entanto, sempre favorável aos países Aliados, por razões históricas e tradicionais. O governo de Lisboa permitiu que os aviões ingleses e americanos que atravessavam o Atlântico, pudessem abastecer na Base das Lages, nos Açores. Portugal veio também a conceder outras facilidades nos seus portos atlânticos e Lisboa, com o seu porto de mar e aeroporto internacional tornou-se a mais importante capital europeia neutral. A Alemanha, consciente da importância de Portugal para a causa dos Aliados (Inglaterra, França, Polónia, Rússia, Estados Unidos e China), tentava constantemente persuadir o governo português, das vantagens de se associar aos países do Eixo (Alemanha, Itália, Japão, Hungria, Roménia e Bulgária). A neutralidade de Portugal era tão importante, que o Foreign-Office (Ministério de Negócios Estrangeiros Inglês) tinha dado ao governo da Índia, instruções específicas e categóricas de que nenhuma acção devesse ser tomada, que viesse a pôr em causa o estatuto de Portugal como país neutral. O Estado da Índia constituído pelos territórios de Goa, Damão e Diu registava segundo o censo de 1940 uma população de 624 177 habitantes. O Governador do território, era desde 6 de Junho de 1938, o Coronel José Ricardo Pereira Cabral que exerceu o cargo até ao fim da II Guerra Mundial. Em 1943, em plena II Guerra Mundial, estavam ancorados no porto de Mormugão-Goa, na Índia Portuguesa quatro navios de carga estrangeiros, três alemães e um italiano, refugiados neste porto neutral, logo após o início do conflito.  Fig. 1 - Os navios alemães “Ehrenfels” e “Braunfels” ao largo, no porto de Mormugão ( Ilustrated London News ) O navio italiano “Ânfora” de 5452 toneladas da companhia Lloyd-Triestino, o “Erhenfels” de 7752 toneladas (o mais moderno de todos, construído em 1935, possuía dois motores diesel de seis cilindros, desenvolvendo 3820 CV cada, estando preparado para ser armado e transformado em cruzador auxiliar), o “Drachenfels” de 6342 toneladas e o “Braunfels” de 7847 toneladas, todos pertencentes à companhia alemã Hansa Line. A tripulação destes quatro navios era de cerca de cento e vinte homens. Nos andares superiores do Grande Hotel Palace, em Mormugão podiam ser observados os quatro navios com as bandeiras alemã e italiana, o que constituía uma verdadeira atracção turística, para os portugueses e sobretudo para os cidadãos ingleses residentes na Índia e que, durante a guerra passavam períodos férias em Goa. Também os marinheiros destes navios podiam ser vistos nas ruas e nos cafés locais.  Fig. 2 - Carta escrita em italiano, remetida por tripulante do navio “Ânfora”, ancorado no porto de Mormugão, com marca de dia de Vasco da Gama de 24-12-1941 e destinada à Cruz Vermelha Internacional em Genève, Suiça. No início do conflito, as autoridades portuguesas na posição de país neutral, tinham neutralizado a capacidade de utilização dos rádios emissores destes quatro navios. Em 1943, os serviços secretos ingleses (Especial Operation Executive), com Quartel General em Meerut, no Norte da Índia, tinham identificado a existência de transmissões codificadas via rádio, efectuadas durante a noite, do porto de Mormugão, de bordo de um dos navios alemães, emitidas em diferentes frequências e horários. Estas transmissões continham informações detalhadas das deslocações dos vários navios aliados, do seu destino e da sua localização em determinado momento. Eram transmitidas de bordo do navio “Erhenfels” pelo seu Imediato, que as recebia dos serviços de espionagem alemães, instalados sobretudo no porto de Bombaím. Este navio tinha partido apressadamente de Calcutá, na véspera do início da guerra revelando um comportamento suspeito, pois não informou as autoridades locais das suas intenções, não solicitou a habitual ajuda do piloto da barra do porto e refugiou-se premeditadamente no porto neutral de Mormugão. As informações emitidas via rádio durante a noite, destinavam-se aos submarinos alemães (U-boats) operando no Oceano Índico que, de forma precisa e sistemática localizavam e afundavam os navios Aliados. Em apenas seis semanas, e devido a estas preciosas informações os submarinos alemães tinham conseguido afundar 46 navios Aliados, totalizando cerca de 250 000 toneladas de arqueação. Durante os primeiros 11 dias de Março de 1943, três submarinos alemães o U-160, o U-182 e o U-506 tinham conseguido afundar doze navios de diferentes nacionalidades – ingleses, americanos, noruegueses e dinamarqueses num total de 80 000 toneladas. Perante esta situação catastrófica enfrentada pelos Aliados e que se traduzia em perdas de navios superiores às que era possível repor, desarticulando todo o sistema de abastecimentos, os serviços secretos ingleses decidiram eliminar o rádio transmissor a bordo do referido navio alemão. Tratava-se de uma missão militar muito delicada pois iria ter lugar em território de um País neutral. Foi decidido portanto, não utilizar para este efeito uma unidade militar convencional, mas sim um grupo de vinte homens de meia idade, afastados do serviço militar activo e exercendo na Índia as mais diversas profissões. Foram recrutados entre os membros de dois prestigiados clubes militares em Calcutá, o Calcutta Light Horse e o Calcutta Scottish. Esta missão foi preparada e executada no maior secretismo porque qualquer fracasso ou identificação dos organizadores e intervenientes, poderia gerar um sério conflito diplomático que a todo o custo, os ingleses pretendiam evitar. Na madrugada de 9 de Março de 1943, este grupo transportado numa barcaça improvisada para o efeito, entrou no porto de Mormugão e a coberto da noite abordou o “Erhenfels”, destruiu o rádio emissor, incendiou e afundou o navio. A tripulação dos outros dois navios alemães e a do italiano, temendo vir a sofrer o mesmo fim incendiaram e afundaram os seus próprios navios.  Fig. 3 - Os navios alemães e italiano consumidos pelas chamas no porto de Mormugão em 9 de Março de 1943. ( Illustrated Weekly of India ) À época, a versão oficial difundida pela imprensa (The Times of India e Illustrated Weekly of India) e pela rádio inglesas na Índia, referia que a destruição dos navios tinha sido causada por conflitos entre as tripulações amotinadas. A verdade sobre os acontecimentos que relatamos foi mantida em segredo pela Coroa Britânica até 1978. Esta acção foi considerada um acto de guerra pelas autoridades portuguesas, tendo todos os tripulantes deste quatro navios, sido feitos prisioneiros e ficado encarcerados no Forte de Aguada até ao final da guerra. Sem o acesso a estas coordenadas, que lhes eram transmitidas com todo o rigor, via rádio a partir do porto de Mormugão, os comandantes dos U-boat estariam entregues a si próprios, devendo procurar no vasto Oceano Índico as suas vítimas. Assim, nos restantes dias do mês de Março e após a destruição do rádio emissor e afundamento do navio “Erhenfels”, os 13 submarinos que operavam no Índico só conseguiram afundar um único navio de bandeira Panamiana, o “Nortun” de 3663 toneladas. Durante todo o mês de Abril só tiveram êxito em três navios. Correspondência deste grupo de prisioneiros Da correspondência expedida pelos tripulantes destes navios, prisioneiros no Forte de Aguada conhecemos catorze cartas, todas elas franquiadas com selos da Índia Portuguesa, destinadas aos seus familiares na Alemanha e em Itália, encaminhadas através da Comissão Internacional da Cruz Vermelha em Genève, na Suíça.  Fig. 4 – Postal ilustrado dos anos 40/50, com vista de Aguada e do seu forte As cartas foram remetidas entre 24 de Dezembro de 1941 e 24 de Maio de 1945. Não apresentam qualquer marca de trânsito nem marca de chegada ao destino, excepto em uma carta registada, franquiada com a taxa de 25 tangas e meia, com marca de dia de registo de Nova-Goa, de 24-5-45 e que apresenta uma marca de dia de chegada a Genève, de 27-6-45.  Fig. 5 - Carta registada, franquiada com a taxa de 25 tangas e meia, com marca de dia de registo de Nova-Goa de 24-5-45 e que apresenta uma marca de chegada a Genève de 27-6-45. Pensamos que muito provavelmente, o trânsito desta correspondência se faria por Lisboa através da Cruz Vermelha Portuguesa. Na frente de cinco destas cartas, foi aposto um carimbo linear a vermelho com a inscrição “COUPON – RÉPONSE”, que pensamos ter sido provavelmente aplicado quando da recepção das cartas, na Suíça. Esta inscrição indicava que o prisioneiro solicitava o envio de um cupão resposta para ser trocado por selos, nos correios de Goa.  Fig. 6 - Carta remetida em 9 de Maio de 1944 por tripulante do navio italiano, prisioneiro no Forte de Aguada em Goa, e destinada à Comissão Internacional da Cruz Vermelha em Genève. Apresenta, aposto na frente da carta, carimbo linear a vermelho com a inscrição Coupon- Réponse. As cartas têm indicação manuscrita ou dactilografada da língua em que foram escritas, alemão ou italiano, e apresentam cinta e carimbo de censura da Índia inglesa e/ou censura alemã. Não apresentam qualquer marca ou cinta de censura portuguesa. Deste conjunto de catorze cartas, só quatro são remetidas por prisioneiros alemães e apenas em uma está identificado no remetente, a condição de ex-tripulante do navio “Erhenfels”.  Fig. 7 - Carta remetida em 15 Julho 1943 por tripulante do navio alemão ex. “Erhenfels”, prisioneiro no Forte de Aguada em Goa, e destinada à Comissão Internacional da Cruz Vermelha em Genève. Uma das cartas, com indicação de ter sido escrita em italiano por tripulante do navio “Ânfora” está franquiada com selo de 2 tangas e meia, da série Império Colonial Português do Estado da Índia, com marca de dia de Vasco da Gama de 24 DEZ 41, e portanto anterior à prisão dos tripulantes. Uma outra, foi remetida também por tripulante do “Ânfora” em 13 Mar 43, do Quartel da Polícia em Nova Goa, três dias após estar sob prisão.  Fig. 8 - Carta remetida em 21 Março 1943 por tripulante do navio italiano ex. “Ânfora” prisioneiro no Forte de Aguada em Goa, e destinada à Comissão Internacional da Cruz Vermelha em Genève. Apresenta marca de dia de Siolim e de Mapuçá. Bibliografia
1-James Leasor. Boarding Party. Naval Institute Press, 1978. 2-Roger Jordan. The Worlds Merchant Fleets-1939. Naval Institute Press, 1999. 3-MGFA-Militärgeschichtliches Forschungsamt. Potsdam,2004. 4-Germanischer Lloyd Hamburg 2004. 5-Navi Mercantili Perdute-Ufficio Storico Marina Militare-1997. 6-Jürgen Rohwer. Axis submarine successes of World War Two. 1999. 7- Illustrated Weekly of India, 9 de Março de 1943. 8- The Times of India, 9 e 13 de Março de 1943.
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