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Clube Filatélico de Portugal

A Marinha Portuguesa na I Guerra Mundial * Parte II - A acção da Marinha na Europa PDF Versão para impressão Enviar por E-mail
Escrito por Armando Bordalo Sanches   
Terça, 22 Setembro 2009 22:18

 

A Marinha Portuguesa na I Guerra Mundial

Parte II – A acção da Marinha na Europa

                                                                                                                                                     Bordalo
Armando Bordalo Sanches
Desenhos de:- Eduardo Silva

( Continuação )

Graças à inestimável colaboração do meu distinto Amigo e insigne Filatelista, Sr. Rainer Daehnhardt, acrescentamos hoje mais alguns preciosos detalhes, designadamente, o destino dado aos navios alemães e austríacos requisitados, as tonelagens brutas e líquidas dos mesmos, etc.

Recebi deste meu Amigo algumas fotocópias de um trabalho manuscrito e intitulado, “ Preparação Financeira para a Guerra, em Portugal “, da autoria do então aluno finalista da Faculdade de Direito de Lisboa, Armindo Rodrigues Monteiro, Curso de 1916/1917, conforme Figuras 1 e 2.

fig1     fig2
Figura 1                                                                                                   Figura 2
 

                 Trata-se de um trabalho inédito e invulgar, elaborado em cima do acontecimento (no decurso da Grande Guerra) e, com diversas passagens de grande interesse para o estudo da História Postal Marítima, pelo que as passamos a transcrever:

“ Tinha o governo português, o direito de requisitar, como fez, os navios alemães? O artigo XXV do Tratado de Comércio com a Alemanha, dizia:

“ O presente Tratado.....................................................

Entrará em vigor no termo de um prazo de 2 semanas depois da troca das notificações e permanecerá executório durante os oito anos seguintes. As partes contratantes reservam-se todavia o direito de denunciar este Tratado 12 meses antes da expiração do 5º ano. No caso de nenhuma das partes contratantes ter notificado à outra, 12 meses antes da expiração do 8º ano a situação de fazer cessar os efeitos deste tratado, continuará o mesmo em vigor até à expiração de um ano a partir do dia em que uma ou outra das partes contratantes o tiver denunciado.

                 É claro e terminante. O Tratado tinha sido assinado no Porto em 30 de Nov. de 1908, por Wenceslau de Lima e Tattenbach.

                 Tinham decorrido 8 anos – 1916; nenhuma das partes tinha notificado à outra a denúncia do Tratado, que, assim em 23 de Fevereiro estava plenamente em vigor. Tinha-se o governo português expressamente obrigado a não requisitar nem os navios nem os seus carregamentos, mercadorias ou efeitos para qualquer uso público sem que as partes interessadas tenham combinado entre si uma indemnização, que deveria ser previamente concedida. Fez, isto, o governo português? Não. O confronto da lei 840 e do Dec. 2 229, com os artigos citados do tratado com a Alemanha, são suficientemente elucidativos.

                 A interpretação dada pelo nosso governo a este art. 2º do Tratado é que é curiosa, entendia que: O artigo 2º do Tratado do Comércio e Navegação entre Portugal e a Alemanha só se restringia à requisição dos navios em trânsito, ou quando também abrangesse navios fundeados, as suas disposições só obrigariam ao reconhecimento prévio do direito de indemnização, o que no Decreto da requisição (2.229) dos navios se fizera.

                 Entendia mais: Que os navios alemães imobilizados há mais de 18 meses nas águas territoriais portuguesas, deviam ser considerados como abrangidos pelo princípio geral do domínio eminente, estando assim Portugal justificado de exercer sobre eles os mesmos direitos que exerce em casos eventuais, sobre a propriedade de todas as pessoas dentro da sua jurisdição, ou seja, o direito de usar dela sempre que as necessidades do país o exigirem.

                Os factos e a letra do tratado a toda a luz mostram a sem razão de tais argumentos – se como tal podem sequer ser considerados... .

                 Porque é que o tratado só se refere aos navios em trânsito?

                 Se só se refere a estes porque é que o governo adianta a hipótese de também se referir aos fundeados? Como é que só obriga ao reconhecimento prévio da indemnização? Como é que o princípio do domínio eminente abrangia os navios alemães? Em face da letra do tratado em vigor que direitos tinha o nosso governo sobre eles? Foram concedidas previamente as indemnizações? Foram estas combinadas entre os dois países?

                 O governo português, requisitando com fez, os navios alemães, não cumpriu os tratados. Mas, olhada sob o seu aspecto político encontrará o procedimento do governo português justificação?

                 O governo português quis evidentemente encontrar um meio para que a guerra lhe fosse declarada. A favor da sua atitude milita, além da nossa angustiosa situação económica, um outro poderoso argumento, a nota que o governo inglês em 17 de Fevereiro de 1916 lhe dirigiu e que era redigida nos termos seguintes:

                 Tendo resultado sérias dificuldades para o comércio da presente escassez de navios, dificuldades que são sentidas não só na Grã-bretanha como também nos países que mantém com ela relações, e tendo Portugal, desde o início das hostilidades, mostrado invariavelmente completa dedicação pela sua antiga aliada, o Ministro de Sua Majestade tem ordem, em nome do governo de S. M., de instar com o governo da República, em nome da aliança, para que faça requisição de todos os navios inimigos surtos em portos portugueses, que serão utilizados para a navegação comercial portuguesa e também entre Lisboa e os demais portos que se determinarem por acordo dos dois governos.

                 É este um campo em que o nosso patriotismo não permite raciocínios nem subtilezas; estamos em frente de factos consumados, aceitemo-los tal como se nos apresentam. Como Catão digamos: Delenda est Germania....

                 Passemos portanto ao último aspecto do problema, que nos resta considerar, o económico. Tinham sido os navios alemães requisitados para que se debelasse a temerosa crise das subsistências. Deveriam portanto ser empregados na navegação portuguesa quer para as colónias quer para outros portos.

                 O mapa que a seguir apresentamos dispensa comentários tão grande é na sua muda eloquência:

mapa1 

Mapa 1

                Resumindo, temos:

                              Navios empregados na Marinha de Guerra......................................................5

                              Id. empregados pelo governo............................................................................17

                              Id. cedidas as empresam nacionais.....................................................................1

                              Id. cedidos à casa Furness Withy & Cª...............................................................33

                              Naufragados................................................................................................................5

                              Afundados...................................................................................................................10

                                                                            Total.................................................................................71

                 Deve notar-se que há um navio cujo destino me é desconhecido o que eleva o total anterior a 72 e que o navio explorado pela Empresa Nacional de Navegação foi trocado pelo Malange (actual Pedro Nunes), que serve na Marinha de Guerra.

                Acrescentaremos apenas que os navios foram alugados à casa Furness Withy & Cª ao preço de 14 sh e 3 pennies por tonelada de registo. Na marinha alemã a tonelagem de registo regula por 1/3 da tonelagem bruta; assim a casa Furness teve a tonelada bruta ao preço de 4sh. e 9 pennies.

                 Disseram os jornais da ocasião que essa casa inglesa fretou os seus navios a empresas gregas ao preço de 50 sh a tonelada bruta. Sendo assim, representa isso uma diferença de 46 sh e 3 pennies por tonelada o que, multiplicando por 134. 521 toneladas, brutas cedidas por nós à citada empresa dá, a 46 sh a bonita soma de Libras 309. 566.9.3 ”. FIM DE TRANSCRIÇÃO.

                 Bem se pode afirmar, aliados, aliados, negócios à parte.

                 Conclui-se pois, que mais de 50% dos navios supra identificados, mantendo a designação portuguesa e tendo a bordo tripulações exclusiva ou parcialmente portuguesas, foram alugados à Inglaterra, que por sua vez os fretou à França, Grécia, E.U.A, etc.

                 Comprovamos tal situação de facto, divulgando por ordem cronológica de datas, algumas correspondências remetidas desses navios por tripulantes portugueses. Umas seladas, outras isentas de franquia, em ambos os casos, independentemente, de exibirem carimbos portugueses - legendados em português e/ou em francês -, franceses e ingleses.

fig3a fig3b
Figura 3

Sobrescrito franqueado com selo francês - obliterado com a marca circular, PAUILLAC – 8 – 4 –17 -GIRONENE -, remetido por Álvaro da Silva, 3º Maquinista do vapor ESPOSENDE ( fretado à Furness Withy & Co., que posteriormente o alugou à França ), em Bordéus, para Lisboa –18.4-1917-, onde foi visado pelo Censor n.º 43 ( Tipo Lx. 3c ) que para esse efeito o abriu e encerrou ( cinta Tipo Lx. 1 ).

fig4
Figura 4

Sobrescrito franqueado com selo inglês - obliterado com a marca BARRY GLAM –3 May 17- e visado pelo censor inglês 4864, enviado pelo mesmo remetente do anterior, para Lisboa –10-5-17. Cortesia do Amigo e Ilustre filatelista, Joaquim Sousa Lobo.

fig5
Figura 5

Bilhete-postal ilustrado, posto a bordo do navio português “ HORTA ” (fretado à Furness Withy & Co., que posteriormente o alugou à França), ao serviço da Marinha Nacional Francesa, em Salónica (Grécia) –27-1-917-, remetido por Raul Luiz Santiago, 3º Engenheiro Maquinista deste vapor, via POSTES NAVALES -29-I-17, para Lisboa –17-2-1917. Beneficiou do privilégio de isenção de franquia, através da marca de duplo círculo batida a azul e legendada em francês, “ MARINE NATIONAL/SERVICE A LA MER ”, ao abrigo do acordo de cooperação postal estabelecido entre o Chefe do Serviço Postal do C.E.P., equiparado a Capitão, Humberto Serrão, o Coronel chefe do British Army Post Service – B. A .P.S e a Administração Francesa dos Correios e Telégrafos. Cortesia do Amigo e Distinto filatelista, Eng.º César Palha.

fig6
Figura 6

Bilhete postal ilustrado, posto a bordo do navio “ Horta ”, ao serviço da Marinha de Guerra Francesa, em Salónica (Grécia), expedido pelo mesmo remetente do anterior, via POSTES NAVALES –18 –3 –17- MEDIT. D., para Lisboa - 8 – 4 -17, onde foi visado pelo Censor n.º 11 ( Tipo Lx, 3 a ). Beneficiou de isenção de franquia, através da marca de duplo círculo batida a vermelho e legendada, “ MARINE MILTAIRE/SERVICE A LA MER ” e nos mesmos moldes do anterior. Cortesia do Amigo e Distinto filatelista, Eng.º César Palha.

fig7
Figura 7

Bilhete Postal ilustrado, franqueado com selo francês – obliterado com a marca MARSEILLE –20 –11 –18 –DEPART.- posto a bordo do navio português “ SÃO VICENTE ” ( fretado à Furness Co., que posteriormente o alugou à França ), em Marselha, remetido por um tripulante ( Carlos ), para Lisboa –8 –12 –18 -, onde foi visado pelo Censor n.º 2 ( Tipo Lx. 4 a ). Ostenta o carimbo de dupla oval, conforme Figura 7a, batido a azul e legendado, VAPOR “ SÃO VICENTE ”/República Portugueza/LISBOA, que só por si lhe concedia o privilégio de isenção de porte , o que inexplicavelmente não se verificou. Este vapor utilizou também o carimbo de duplo círculo batido a vermelho e legendado em francês, MARINE NATIONALE/Comissaire du Gouvernement/ ST VINCENT ” que se reproduz na Figura 7b.

fig7a                 fig 7b
Figura 7 a                                                Figura 7 b

                                                        Ex-colecções Sanches e Bonina                     Ex-colecção Sanches

 

                 Visando a actualização do Mapa I anteriormente reproduzido, procedemos à alteração da sua estrutura , designadamente:

1. Ordenando a listagem dos navios por ordem cronológica das datas da sua requisição ( Decretos-Lei );

2. Criando uma nova coluna para referenciar as datas em que foram torpedeados ( afundados ) e/ou, naufragados;

3. Corrigindo alguns nomes, destinos ou tonelagens;

mapa 2 
Mapa II
 

Resumindo temos:

1. Navios entregues à Marinha de Guerra Portuguesa...........................5

2. Idem utilizados pelo governo Português..............................................17    a)

3. Idem cedidos a empresas Nacionais.......................................................4     b)

4. Idem cedidos à Furness Wthy & Co........................................................46     c)

a) dos quais, 3 Afundados e/ou Naufragados;

b) dos quais, 3 Afundados e/ou Naufragados;

c) dos quais, 23 Afundados e/ou Naufragados;

                 Como complemento ao que atrás foi exposto, recorrendo – por cortesia do Distinto filatelista, Guilherme Rodrigues - a alguns elementos da obra, “ Os grandes escândalos da República, os Transportes Marítimos do Estado ” ( Discurso proferido nas sessões de 14 e 16/6 de 1922 da Câmara dos Deputados pelo deputado monárquico Dr. Paulo Cancella d’Abreu ), publicada em 1922, Edição das Juventudes Monárquicas Conservadoras, constata-se que:

                 a) Nos termos do contracto celebrado com a Furness Withy & Co., os navios ( 42, num total de 154. 008 tons. ) foram fretados à razão de 14 sh e 3 pence mensais, por tonelada bruta, até 6 meses depois da guerra; e que os restantes 30 ficaram ao serviço de Portugal;

                 b) Paralelamente havia um seguro dos navios à razão de 20 Libras a tonelada bruta e que todas as despesas de exploração e conservação dos navios decorriam por conta da citada Furness & Co.;

                 c) A Furness & Co., fretou alguns navios à França a 50 sh e 3 pence e aos E.U.A. a 160 Dollars por tonelada e por carreira;

                 d) Apesar da referida firma inglesa estar contratualmente obrigada a devolver os navios aos T.M.E. no prazo de 6 meses depois da guerra ( com início em 11.11-1918, data do Armistício ou em 28.6.1919, data da assinatura do tratado de Versailles ? ), só dois ( 2 ) navios - Figueira e Fernão Veloso – foram devolvidos no referido prazo de 6 meses. Dos restantes, 16 foram entregues em 1920, sendo 5 no 1º Semestre e 11 no 2º semestre; o Sines e o Inhambane só vieram a ser restituídos em 15 de Fevereiro e em Abril de 1921.

                 e) Do confronto entre os somatórios dos navios cedidos à Casa Furness ( 46 ) e dos que ficaram ao serviço da República Portuguesa ( 26 ), constantes do Mapa II e os somatórios referenciados na Obra atrás citada de, 42 e 30, resultam diferenciais de + 4 e - 4 navios, respectivamente. Para além do S. Nicolau ( o tal que não chegou a ser entregue ), não conseguimos identificar os 3 restantes.

                 Após o que atrás foi descrito e exposto, resta-nos mais uma vez realçar a escassez das correspondências divulgadas e do seu elevado grau de raridade.

( Continua )

Queijas, 8 de Junho de 2005

Actualizado em Quarta, 23 Setembro 2009 10:54
 

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